SAÚDE

Bobagem culpar o ‘metabolismo lento’ pelos quilos extras

Desculpa conveniente

[por Mayra Stachuk]

Quase todo mundo já ouviu alguém dizer que enfrenta dificuldade para emagrecer ou manter o peso porque tem o “metabolismo lento”. Pode ser verdade ou é balela? Melhor apostar na alternativa B.

Antes de mais nada, é bom saber que até a Bela Adormecida em seu estado letárgico consome calorias. Isso porque, mesmo dormindo, o corpo humano queima energia no chamado metabolismo basal, para manter as funções vitais. O mesmo processo ganha outro nome quando o indivíduo está acordado, ainda que deitado na cama: metabolismo de repouso.

A variação entre um e outro é muito pequena -se um determinado metabolismo basal consome cerca de 1.100 calorias, em repouso vai precisar de pouco mais, 1.200.

Além desse “consumidor” primário, o corpo também requer energia na termogênese alimentar (gasto calórico de todo o processo digestivo, desde a secreção de enzimas até a mastigação e o armazenamento dos nutrientes) e todos os movimentos humanos, seja piscar, virar o pescoço ou correr na esteira. O senso comum acredita que estas últimas representem o principal gasto calórico do organismo. Nem sempre.

No caso dos sedentários, por exemplo, o metabolismo de repouso pode significar a maior parte da queima calórica, de acordo com o endocrinologista Márcio Corrêa Mancini, do grupo de obesidade do Hospital das Clínicas. A termogênese leva outra pequena parte, cerca de 10%. O que foi consumido além disso deve ser gasto nas atividades diárias -ou vai virar quilos extras e pneuzinhos.

Variáveis pessoais A energia consumida por metabolismo basal e termogênese é determinada geneticamente e varia de pessoa para pessoa, mas fatores externos podem alterar tanto um como outro.

Idade, por exemplo. A tendência é que as necessidades calóricas essenciais declinem cerca de 10% ao longo da vida. Isso significa que, aos 50 anos, o consumo será menor e, se a pessoa continuar comendo a mesma quantidade, a tendência é engordar.

Gênero é outra variável. Em geral, o gasto calórico basal masculino é mais alto que o feminino, mas por uma questão estrutural. Homens têm normalmente mais massa muscular, e os músculos são o tecido que mais consome energia do organismo, já que têm de sustentar o corpo. Quanto mais massa muscular, mais calorias o organismo queima em repouso.

O que leva à terceira variável capaz de provocar mudanças:as atividades físicas, que aumentam a massa muscular e, por conseqüência, o metabolismo de repouso. Disfunções na tireóide (hipertireoidismo ou hipotireoidismo) também podem modificar o metabolismo basal. Nesses casos, é necessário tratamento médico.

Na termogênese, a variação é menor e depende da alimentação. Dietas ricas em gorduras promovem menos gasto energético, porque carboidratos e proteínas cobram um “pedágio” maior para se transformar em tecido adiposo: 25% das calorias do carboidrato são perdidas na termogênese, contra apenas 2% da gordura. “Por isso, quanto mais gordura no corpo, mais lenta será a queima calórica”, diz a endocrinologista Zuleika Halpern, da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade.

Gordura vilã O metabolismo de repouso pode ser medido de duas formas. A leitura mais precisa é feita com um aparelho chamado calorímetro, disponível em alguns hospitais, que avalia o consumo de oxigênio e a produção de gás carbônico para calcular a taxa metabólica em repouso.

A outra maneira, mais comum, é adotada na maioria dos consultórios e em algumas academias e spas: a bioempedância. Nela, transdutores são colocados nos pés e nas mãos e disparam uma corrente elétrica de um ponto a outro do corpo. A resistência oferecida pelos tecidos define o percentual de massa magra e gorda e calcula o consumo aproximado da energia exigida pelo metabolismo de repouso. “A gordura é um isolante e dificulta a passagem da corrente, enquanto o músculo é rico em água, uma boa condutora”, explica Zuleika.

A informação faz diferença se a dieta for do tipo restritiva. Em geral, as dietas são prescritas de acordo com o balanço alimentar do paciente: o médico faz uma média da quantidade de calorias ingeridas nos últimos três dias e subtrai de 600 a 1.000 calorias. Se a média for de 2.500 calorias, o médico recomendará o consumo máximo de 1.500 ou 1.900, dependendo de quanto é preciso emagrecer e em quanto tempo.

Quando essa regra não dá resultados -considerando que a pessoa seguiu a dieta corretamente-, a análise do metabolismo de repouso ajuda a nortear uma redução maior. “É possível viver com um consumo calórico menor que o exigido pelo metabolismo basal. É o que acontece em spas, por exemplo. O organismo passa a usar como energia a reserva de gordura. Mas isso não deve ser feito por muito tempo nem sem acompanhamento médico”, diz Márcio Mancini.

O ideal, segundo os médicos, é usar essa tática para o pontapé inicial e depois seguir com uma dieta de reeducação alimentar com baixo valor calórico e exercícios físicos. Moral da história: a dobradinha alimentação saudável e exercícios é o que realmente faz a diferença.

Queima de calorias/hora*

Metabolismo basal (e de repouso)

batimento cardíaco e respiração 41
dormir 60
ficar parado em pé 120

Gasto energético da atividade física

não-voluntárias
escovar os dentes (5 min.) 6
tomar banho 99
lavar roupa 282
cozinhar 210

voluntárias
aeróbica moderada 566
bicicleta fixa 377
corrida 10 km/h 638
caminhada 5 km/h 222


* cálculos aproximados; variam de acordo com peso, altura, idade e ritmo individual de cada pessoa

Fontes: Hopital das Clínicas e Cynthia Antonaccio (nutricionista)